2. A ampliação hermenêutica da Escritura 

Scriptura cum legentibus crescit[12], «A Escritura cresce com os quem a leem». Gregório Magno, o último dos Padres da Igreja do Ocidente, como habitualmente é chamado, conduz-nos a outra prática de infinito: a leitura. 

Já a Bíblia fora, na origem, Miqra (termo hebraico para leitura comunitária e em alta voz). A Bíblia foi leitura antes de ser livro. E nela persistem marcas dessa gestação oral, puramente sonora; dessa recitação ininterrupta, por gerações[13].

Tanto a hermenêutica judia como a cristã construíram, posteriormente, itinerários minuciosos para a leitura. Os mestres judeus falam da leitura do sentido simples (pchat), mas também daquele alusivo (rémez), do interpretativo (drach), e ainda do secreto (sod). As quatro consoantes iniciais destas palavras formam pardès, termo que significa paraíso: o endereço perene da leitura. 

Por sua vez, os leitores cristãos dividiam-se: uns, para seguir Orígenes e Jerónimo, retinham a tricotomia (leitura histórica ou literal; tropológica ou moral; mística ou alegórica), outros assentiam nas quatro distinções de Cassiano e Agostinho (o sentido histórico da leitura; o alegórico; o tropológico e o dito anagógico ou escatológico). Esta última doutrina seria fixada no famoso dístico: Littera gesta docet; quid credas allegoria; moralis quid agas; quo tendas anagogia (a letra ensina os acontecimentos passados; a alegoria desvela o conteúdo do que crês; o sentido moral ilumina o modo como convém agir; a anagogia esclarece o objeto da esperança). Caminhos de acesso ao infinito da leitura.


[12] GRÉGOIRE LE GRAND, Homélies sur Ézéchiel (Paris : Cerf, 1986), I,VII, 8.

[13] Como recorda André Lacocque, «as Escrituras não são apenas os escritos, são também uma leitura». A. LACOCQUE, Guide des nouvelles lectures de la Bible (Paris : Bayard, 2005), 9.

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